sábado, 6 de julho de 2024

O Cão e o Galo

Então, foi em 2020. Tempos de pandemia. Andando pelo interior do estado, uma parada na estrada. Era uma fruteira muito simples, que comercializava produtos coloniais também. Como não me interessava comprar coisa alguma, andando por ali, eis que me deparo com uma dupla inusitada: um velho cão castanho, grande, lento, gordo, talvez reumático, mas observador. Ao lado do velho cão, desfilava um belo galo de linda plumagem, crista vermelha, altivo, valente, que agia como verdadeiro dono do lugar. Serenamente ambos me olhavam. Depois, notei que observavam também os forasteiros que, por ali, só queriam saber das compras. Uma gente meio confusa, barulhenta, que mal descia dos carros, começava a andar para lá e para cá. Gostei de observar a dupla que até fotografei. O cão, muito lento, olhava-me com ar cansado, enquanto o galo se exibia, ora ciscando, ora batendo as asas. Gostei mais do estilo do velho cão, que caminhava muito devagar perto de uma típica casinha de cachorro, muito velha e descuidada que, presumo, fosse dele.  Já o galo, este, exibia-se, alçava a crista, batia as asas. Parecia buscar aplausos, sabendo-se bonito. Certo de que era um Pavarotti, abria o bico, mostrava a língua e cantava, alongando as notas até a rouquidão. O cão, silencioso, limitava-se a olhar e a escutar seu parceiro. Passei alguns minutos observando os dois. Subitamente, porém, o galo desafinou. Foi um fiasco. A longa nota estridente soou em falso, escandalosamente desafinada. Eu sorri. E acreditem, no mesmo instante, pude ler, no semblante sereno do cão, um leve arquear de sobrancelhas. Eu poderia jurar que trocamos olhares, discretamente, sorrindo da malograda performance do outro. Instante mágico, como mágica seria a cumplicidade que minha imaginação teima em afirmar que existiu exatamente naquele instante entre mim e cão. O galo? Ah! O galo continuou a ciscar e a cantar, exibindo-se, sem suspeitar do Natal que já se aproximava. Os forasteiros? Ah, estes só se ocupam de seus misteres e nada sabem dessas coisas. Eu? Bem, eu ainda tenho a esperança de ser compreendida por esses velhos e serenos cães que, assim como eu, precisam conviver com homens e galos, ambos tão performáticos às vezes. Faz parte.

2 comentários:

  1. Amo animais mas, aves e cães especialmente;
    Quando criança , tive uma galinha que chamava-Fandinha( tive uma prima que era bitati , em vez defranguinha , falava toitadinha da fandinha ) dai o nome de uma das melhores amigas que tive, minha Fandinha; jamais vou esquecer ela bicando o vidro do meu quarto para me acordar😪 muita saudade; o cãozinho velhinho tb me traz lembranças do nosso Negão, símbolo da fidelidade entre tantos,,,

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  2. Que bom que a história lhe trouxe lembranças! Tenho para mim que o contato com bichos nos humaniza e até refina nossa capacidade de comunicação. Afinal, é outra linguagem, Todo entendimento entre humanos e bichos depende da afetividade. Obrigada a você por vir até aqui e deixar seu comentário! Abraço!

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