terça-feira, 16 de julho de 2024

101 Viralatas

Hoje passei pela feira de adoção dos 101 Viralatas que está funcionando no Shoppint Total, aqui em Porto Alegre.

Na verdade, um fim de feira. 

Havia poucos cachorros para adoção. 

Estavam bem alimentados e bem vestidos. Todos estavam com peso normal e até gordinhos. Bem cuidados, recebem carinho e atenção de voluntários dedicados que torcem pela adoção.

Todos  estavam bem agasalhados, com roupinhas bonitas, novas, bem feitas. 

Todos tinham caminhas confortáveis e cobertas. Ali não há fome nem frio.

O que mais me impressionou, contudo, é que todos eles, sem nenhuma exceção, tinham um ar de profunda tristeza. Sim, todos me pareceram tristes, inavariavelmente. E estavam em silêncio.

Passando à frente dos cercadinhos de cada um deles, procurei encontrar a costumeira alegria dos cães: um rabinho abanando, um latido simpático, um olhar mais atento. 

Nada. Apenas silêncio. E apatia.

Estavam deitados e pareciam fitar o nada. Olhares sem esperança. Procurei me persuadir de que era apenas uma impressão minha. Fotografei alguns. Condenei minha tendência a certa dramaticidade.

Não era uma impressão. Nas fotos, a tristeza é visível.

Todos eles estavam tristes. 

Tive vontade de afagar pelo menos um, mas me faltou coragem. Recuei com medo de não resistir à tentação de trazer um deles para minha casa. Tive medo de um encontro de olhares. Sei que os cães conseguem ler o que vai em nossas almas. Sabem tudo.

Saí de lá refletindo o quanto cada um deles deve desejar ter alguém, um humano para chamar de seu. Não exatamente alguém que cuide e se responsabilize por eles, mas alguém a quem eles possam amar. Sabidamente, preferem fome e frio com um humano a quem amem, do que conforto e solidão.

Por que será que os cães têm essa sina de amar tanto seres como nós?

Vai aí um mistério. 

Tenho para mim que talvez os gatos sejam mais sábios do que os cães. 

Gatos relacionam-se com seus humanos muito bem, mas invariavelmente usando de sedução, a ponto de tornar os humanos seus servos. E não me digam que não é assim, ao menos predominantemente tem sido assim.

Já os cães... 

Sua capacidade de perdoar e amar me parece infinita. Sua tolerância, ilimitada. 

Humildes, subservientes, dão muito e esperam quase nada. 

Contentam-se com migalhas de nosso afeto e de nosso tempo, coisas que não raramente despendemos com avareza.  

Fiquei pouco tempo na feira. 

O bastante para não me orgulhar da minha pertinência à condição humana. 

Atrás das grades de cada um daqueles pequenos cercados está um destino, uma fração do imponderável, uma história incompleta, porque ainda não foi escrita. 

Há uma vida por viver, um amor por amar e, talvez mesmo, um final feliz. Quem sabe?

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